quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Enfim, um blog...

Há muito, esses cacos de vidro rasgam a carne. E novos fragmentos cortantes desse óxido metálico superesfriado surgem a cada instante. Uns são estilhaços que atravessam o caminho, outros surgem quando da ebulição do ser. Alguns se instalam superficialmente, outros fixam-se entre músculos, ossos, sangue, céluas, átomos... São muitos. Milhares. Ocultos por bandagens, os ferimentos sangram. Sua manipulação só é possível enquanto fundido, quente e maleável. A troca constante dos curativos é trabalhosa e cansativa.

Respirar é preciso. Deixar o ar seco atmosférico circulando livremente entre ferida e vidro, e observar a dispersão da luz solar que os atravessa. Preciso e arriscado. Pode infeccionar e até levar à morte. Risco inevitável.

Cada uma a seu tempo, as coberturas que mal podiam disfarçar as feridas caem encharcadas de sangue. Vidro e ferida se contraem em uma dança vermelho quente de transparência pulsante, ao perceberem que dali em diante ficariam expostos.

Justo quando uma dessas gotas de vermelha vivacidade respinga, ouço o apelo de uma senhora amargurada com o descaso que sofrera ao longo dos anos... A sexagenária me pede passagem, é seu aniversário. Ouço o lamento acerca de presentes de muito mau gosto que ela recebeu ao longo de sua vida e lhe cedo a passagem. Ao passar por mim, pude ver sob seu braço mais um desses presentes que acabara de receber por essas terras de solo tão gentil...

Não pude deixar de notar o quão horroroso e medonho é tal presente. A absolvição de um assassino. Uma besta-fera que, confuso, ceifou a vida de um pequeno menino indefeso em meio à selvageria urbana. Todos podem se confundir, errar é humano. Inaceitáveis são a falta de preparo psicológico, emocional, tático, técnico, estrutural... daquele que está ali apenas para "servir e proteger", e a justificativa de "cumprimento do dever". Matar inocentes é cumprir o dever?

E a senhora segue seu caminho, com a desafiadora sabedoria daqueles que conseguem abarcar a todos, levando consigo o presente. Aperta-o contra o peito até explodir em pedaços... Carrega o que ainda resta enquanto outros fragmentos do presente maldito se espalham por aí. Por aqui...

Novo caco de vidro em minha coleção, nova ferida aberta, novo blog no ar.

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